Manhã do Recomeço

Estava tudo muito comum. Céu claro, temperatura agradável e pessoas seguindo com suas rotinas. Acordar cedo, demorar para levantar-se da cama, tomar café, arrumar-se e escovar os dentes, nada, nem por um breve momento, deu indícios à Clara de que sua vida estava prestes a mudar para sempre.

Mesmo que fizesse milhões de planos em sua cabeça para aproveitar os dias, o que ela realmente fazia estava bem abaixo das expectativas contidas em sua imensa lista. Ficar em casa, ler, assistir séries, filmes e estudar, era tudo que sempre lhe convinha. Clara sempre fora aquela garota do Ensino Médio que entregava os trabalhos em uma capa de plástico e dava um suporte para os professores que precisavam de um aluno de confiança para carregar seu material até a sala da próxima aula. Clara era quieta, tinha uma imaginação muito fértil, gostava de roupas que mostravam o mínimo possível de pele e procurava sempre ser discreta, pois chamar atenção não era o seu forte. O mundo não parecia ser suficiente para ela, então, desde muito cedo preferia ficar com o seu próprio “eu”.

Agora, já crescida e madura, ela queria ser levada mais a sério. Queria poder ser vista. Além de suas roupas e aparência física. Ela procurava o impossível. Pelo menos, até aquela segunda-feira. Não tinha nenhuma vontade de ir até o curso para começar mais uma semana de provas. Clara estava cansada da mesmice, mas não conseguia se ver fazendo algo fora dela. Não ser rebelde era sua marca registrada. Nada de adrenalina para ela. Até mesmo tingir o cabelo de uma cor diferente seria radical demais.

Já em sala de aula, Clara estava pensando exatamente sobre isso: queria libertar-se. Descobrir-se. Estava na hora. Nem prestou atenção na aula. Tudo que ocupava sua mente eram as perguntas sem respostas. Quando ela começaria, enfim, a viver?

Exatamente no mesmo momento em que Clara caminhava em direção ao ponto de ônibus, um garoto alto, vestido de preto com piercings e tatuagens saiu de uma mercearia distraidamente e trombou com ela. O impacto quase a fez cair, mas ele a segurou pelos ombros e despejou sobre ela alguns pedidos de desculpas. Seu nome era Breu. Sua vida era uma verdadeira aventura. Ele era destemido. Forte e independente. Tudo que ela não era, mas almejava ser. E analisando-a de cima abaixo ele notou, através de seus olhos tímidos e meigos que ela tinha algo interior que ele sempre desejava poder alcançar.

Breu percebeu que ela era muito bonita, mas não se deu ao trabalho de lhe dizer. Clara notou rapidamente que ele era interessante, mas não se deu ao trabalho de se iludir. Despediram-se. Foram em direções opostas, como deveria ser, afinal de contas, era isso que eles eram: diferentes. Ambos sabiam que nunca mais iriam se encontrar novamente.

Estavam errados.

No dia seguinte, Clara foi até a mesma mercearia para comprar um chocolate. Ela não havia percebido a presença de Breu no caixa. Não passou por sua cabeça que ele pudesse trabalhar ali. Ele estava distraído de cabeça baixa, concentrado, fazendo um desenho. Ela pensou em desistir do doce e ir embora, entretanto, seu nervosismo a fez demorar tempo suficiente para Breu erguer os olhos e notar sua presença. Porém, ele não pareceu reconhecê-la. Simplesmente voltou a desenhar.

Parou.

Ergueu os olhos novamente.

A reconheceu.

Sorriu.

“Sorriso lindo” pensou ela, corando imediatamente como se ele pudesse ler sua mente. Talvez pudesse. Porque seu sorriso só aumentou enquanto ela se aproximava timidamente. Iria comprar o chocolate, enfim. Colocou o doce no balcão. Breu não tirava os olhos dela. Clara não tirava os olhos dele. “Você está muito bonita hoje” ele pensou, sem perceber que tinha dito, também, em voz alta.

Clara encontrou seu olhar. Suas mãos tremiam, tentou disfarçar passando-as no cabelo. Sussurrou um “Ah, obrigada!” e começou a pegar o doce para se afastar. Queria dizer que ele também era muito bonito, mas não conseguiu. Xingou-se mentalmente por ser tão antissocial e sentiu seus ombros caírem pela frustração. Ela sempre seria uma boba. Uma garota sem coragem, com autoestima baixa e um mundo inteiro em seu interior.

Breu perguntou-se porquê ela parecia tão reclusa. Ele havia dado uma brecha para ela passar seu número, para conversarem ou até mesmo para dar em cima dele. As garotas sempre faziam isso. Ele não podia mostrar o mínimo de simpatia que elas já confundiam com amor. Mas ela não. “Há algo diferente nessa garota”, foi o que ele pensou enquanto saía apressadamente até ela e a impedia de cruzar a porta. E quando seus olhos se encontraram novamente ele notou “Ela não sabe”. “Será que esqueci de pagar?” questionou-se ela. “Ela não sabe o p*** mulherão que é” concluiu ele.

“Desculpe, eu achei que tinha…” começou ela toda nervosa já procurando o dinheiro nos bolsos.

“Você quer tomar um café comigo, um dia desses?” interrompeu ele, com um sorriso torto nos lábios e as mãos nos bolsos.

“pagado…” ela parou. Houve um silêncio quase constrangedor. Ela começou a rir. “O que? Você quer… tomar café… comigo?” encarou-o, mesmo com a certeza de que estava fielmente da cor de um tomate.

“Jesus! Ela precisa ver. Precisa ver logo o quanto é linda” ele pensou. Quando pegou na mão dela, com respeito, para não assustá-la ainda mais, sentiu que estava sendo invadido por alguma coisa. Como se uma camada invisível estivesse sobrepondo a sua própria pele e adentrando toda a extensão de seu braço. Clara também sentiu e ficou apavorada. “Ele está querendo brincar comigo” pensou amargamente. Retirou a mão e soprou um “Tchau, eu preciso ir” e saiu pela porta.

Eles não sabiam. Ninguém sabia. Mas estavam prestes a encontrar o equilíbrio entre suas vidas. Era como misturar o branco no preto, a homogeneidade seria o cinza. Breu pegou-se – depois de alguns minutos que ela havia ido embora -, sorrindo sozinho. Não pelo desafio, mas porque sabia que ela havia sentido o mesmo que ele. E mesmo com medo, ferido e receoso, decidiu que se arriscaria mais uma vez. Clara nunca havia andado tão rápido na vida. Parecia que estava fugindo. E sim, ela estava mesmo. A aula foi um pouco mais doce devido ao chocolate, mas seus pensamentos estavam longe, em uma linda paisagem.

A semana passou, e eles foram tomar o café. Os meses voaram e eles mal ficavam separados. Viraram namorados. Mais tic-tac e a vida estava veloz. Já haviam se equilibrado, então os medos foram apagados. O amor é assim: se dói nós queremos fugir, mas se encontramos um que sorri, logo esquecemos do porvir. O passado parecia um pesadelo distante e tudo que faziam estava na constante. Quem olhava custava acreditar, que aquele casal tão feliz era o que menos parecia combinar. Mas Clara e Breu sabiam, que nada no mundo podia se comparar ao sonho de se apaixonar. Se equilibrar.

Com alguém.

Por alguém.

(Luana, a Menina do Jardim)

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Foto por: @annacaitlinphotography

Via: @justalittleloveinspo

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